CRÓNICAS DE UM CLÁSSICO

O CPAA inaugurou uma nova rúbrica, “Crónicas de um Clássico”, dedicada a histórias engraçadas, comoventes, inesquecíveis, que os sócios CPAA tenham para contar relativamente aos seus automóveis.

O nosso sócio Gustavo Brandão conta carinhosamente toda a história por trás do Volkswagen Carocha de 1957 que o bisavô adquiriu novo.

Partilhe com o CPAA a sua história, através do email eventos@cpaa.pt.

Vokswagen 1200 Limousine Deluxe 1957

“Algo que uma família de classe média fosse capaz de comprar.” Esta foi a premissa de Adolf Hitler que veio a dar origem ao mundialmente conhecido VW Beetle. Para concretizar este projeto, Hitler recorreu a Ferdinand Porsche e as instruções eram claras, era necessário construir um carro pequeno, fiável e fácil de manter, capaz de transportar uma família inteira.
Assim, em 1938 saíram os primeiros modelos da linha de produção, sendo que as primeiras unidades foram cedidas a militares com cargos importantes e o primeiro modelo descapotável ficou na posse do próprio Hitler. Devido à elevada necessidade de veículos militares, a produção foi interrompida até 1945 (final da 2ª Guerra Mundial).
Em 1946, a fábrica é reconstruída e retoma-se a produção do Volkswagen Type 1, sendo que em 1955 já teriam sido vendidos cerca de 1 milhão de exemplares.
Ao longo dos anos os modelos foram sofrendo várias alterações e a sua produção termina no México, em 2003, contabilizando um total de 21 milhões de unidades produzidas.

“17 de setembro de 1957”

Foi esta a data em que o meu bisavô, Eng.º Américo Alves de Sá, comprou o seu Carocha na antiga Garagem Central, em Aveiro, numa altura em que ainda havia Ovais à venda, mas a recente inovação era o vidro traseiro grande.

Teve uma utilização regular, mas extremamente cuidada entre 1957 e 1974, onde fez várias viagens até Espanha. Em 1974 comprou outro carro, tendo este ficado parado numa serração até 1997, ano em que se iniciou o restauro. Apesar de ter estado tanto tempo parado, tinha somente os estribos podres e alguma corrosão em certas zonas. Devido aos seus cuidados, os estofos e as quartelas encontravam-se em excelente estado, pelo que se pôde manter o interior original.

“Histórias que passam gerações”

Se há algo especial em ter um carro há 66 anos na família são as histórias que passam de geração em geração. Histórias essas que nos fazem viajar para uma altura em que nem os meus pais eram nascidos.

Assim, pedi à minha avó para me contar algumas das aventuras que viveu com este Carocha, passando a citar:

“Em Zaragoza, numa descida, (estrada com 2 sentidos), só com 2 vias o meu pai, encostou o carocha, para perguntar o caminho.
De repente, um carro antigo, na descida, ficou sem travões e bateu na traseira do VW.
Foi uma pancada fortíssima, mas só estragou a porta do motor.
O meu pai, foi comprar uma corda e amarrou a tampa do motor. Continuamos as nossas férias. O carro levou depois uma tampa nova.
Engraçado, foi o meu irmão que, ao ver o carro amassado, disse:
Coitadinho!”

“Na subida da Serra do Guadarrama, ainda não havia o túnel,o Carocha com 4 pessoas e malas, chegou ao cume sem parar. No entanto, viam-se carros e camionetas encostadas, para arrefecer o motor.
Então, o meu pai, todo contente punha o braço de fora e dizia:
“Comprem um carro a sério ”

“O teu bisavô estava sempre a ver se havia algum barulho no carro. Então o meu irmão batia com a mão, num ponto qualquer do carro e ele ficava logo aflito. “Que foi esse barulho? ” e nós qual barulho, não ouvimos nada!”

“O bisavô, quando chovia, não tirava o carro da garagem, para não se molhar. Preferia andar à chuva.
Se apanhasse chuva, secava-o logo, na garagem.
Também tinha um espanador de penas, para retirar o pó.
No inverno, protegia os cromados, com uma mistura, que trazia da fábrica.”

“Tínhamos que sacudir os pés antes de entrar no carro e não podíamos calcar os estribos, para não estragar.”

“Engraçado é que quando chegávamos a Madrid, durante muito tempo, já fora do carro, ainda ouvíamos o motor a trabalhar.”

“Experiência de condução”

Para muitos apreciadores de automóveis, o Carocha é um clássico banal e que não desperta muito interesse. Porém, para mim, este Carocha em particular é especial. Quer seja pelo facto de saber que estou sentado no mesmo banco em que o meu bisavô outrora se sentou, ou pela própria experiência de condução que me é transmitida. De facto, de cada vez que o tiro da garagem fico surpreendido com a facilidade com que este Carocha de 1957 se desloca sob os meus comandos. É certo que após algum tempo parado, as primeiras travagens requerem alguma atenção, mas não mais do que 15 minutos de condução em regime normal são suficientes para que este velhinho ganhe energia para devorar quilómetros. E aí sim, apercebo-me do quão prazerosa é a sua condução. A direção é precisa, os travões são eficazes e os 30cv do pequeno motor 1200 aparentam ser incansáveis.
É incrível a facilidade com que alcançamos os 100km/h em autoestrada e não pensem que ele se deixa ficar por aí! Vontade não lhe falta para continuar a aumentar a velocidade, mas eu deixo-me ficar, pois é preciso lembrar-me de que se trata de um carro dos anos 50.

Esta é a história do nosso Carocha e sim, nosso, porque este carro tem um enorme valor sentimental para a minha família. Muitas vezes ouvimos dizer que tudo tem um preço. Não neste caso, pois acredito verdadeiramente que não há dinheiro capaz de substituir o apego que temos por este VW. Certamente permanecerá sob os nossos cuidados durante muitos mais anos.
Por último, desejo a todos os que têm clássicos que tirem o máximo proveito deles, para que futuramente possam contar as vossas aventuras aos vossos netos!

Gustavo Brandão, Sócio CPAA nr.º 2522”